Joacir Rufino de Aquino
(Economista e professor da UERN)
O meio rural brasileiro é marcado por uma profunda dualidade econômica entre uma minoria de produtores equipados com tecnologias de ponta e uma maioria que ainda trabalha apenas no braço e na enxada. A semelhança do que acontece no país como um todo, o campo do Rio Grande do Norte (RN) também é permeado por esse contraste entre os segmentos agrícolas, que não podem ser tratados de forma homogênea. Recentemente, pude observar de perto essa realidade ao pesquisar a situação de dois grupos distintos de agricultores do nosso estado: o primeiro, formado pelos produtores de manga irrigada para exportação no Vale do Açu, e, o segundo, constituído pelos agricultores familiares de sequeiro beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) no oeste potiguar.
Os produtores de manga irrigada para exportação do Vale do Açu, que representam um segmento seleto formado por pouco mais de três dezenas de empreendimentos, ocupam o topo da pirâmide social do setor agropecuário estadual. Em pequenas áreas de terra, usando trabalho assalariado, máquinas agrícolas e insumos modernos, produzem grandes quantidades de frutas frescas todos os anos. Até o primeiro semestre de 2015, graças à irrigação, suas atividades praticamente não sofreram qualquer abalo decorrente dos efeitos da severa estiagem que assola a região. As suas maiores reclamações estão associadas à falta de estruturas para agregar valor aos produtos e aos gargalos de infraestrutura de transporte. Outras questões atinentes a qualidade de vida rural não fazem parte de sua agenda, haja vista que suas moradias estão situadas nas zonas urbanas dos municípios onde desenvolvem seus negócios.
A situação dos agricultores familiares de sequeiro beneficiários do PBF, que englobam a maioria absoluta dos produtores do semiárido potiguar, é totalmente oposta a do grupo anterior. Grosso modo, eles trabalham em pequenas áreas de terras cansadas que, em muitos casos, nem ao menos lhes pertencem. Além disso, não usam tecnologias avançadas e nem contam com a vantagem da irrigação. A sua produção de milho e feijão é voltada para o consumo do grupo doméstico e os pequenos excedentes gerados nos períodos de invernos regulares são comercializados no mercado interno via atravessadores. Nos últimos quatro anos, porém, esses produtores contabilizam perdas sucessivas em suas lavouras dizimadas pela seca. No mundo de vulnerabilidade a que estão sujeitos a única renda certa que dispõem são os benefícios do Bolsa Família ou os recursos das aposentadorias rurais.
O retrato apresentado tem muitas implicações. Do ponto de vista prático, a dualidade presente no rural norte-rio-grandense indica que o Estado precisa adotar também uma dualidade de estratégias com a finalidade de atender a ambos os setores. No entanto, uma política agrícola e de desenvolvimento rural para o semiárido do RN deve priorizar ações estruturantes voltadas ao segmento mais pobre. Isso porque as demandas dos produtores modernizados são pontuais e mais fáceis de resolver com medidas de curto prazo, como, por exemplo, a construção de canais mais eficientes de escoamento da produção e a instalação de um Packing House (galpão padronizado de processamento e embalamento pós-colheita) reivindicado a muito tempo pelos exportadores de manga açuenses. Já no caso dos beneficiários do PBF o desafio é bem mais complexo, exigindo medidas articuladas de cunho produtivo e territorial.
Os estudos disponíveis indicam que os agricultores pobres situados na base da pirâmide social, que representam o lado pobre e majoritário do campo potiguar, necessitam de terra, água, assistência técnica, crédito, tecnologias adaptadas aos ecossistemas microrregionais e melhores condições de infraestrutura social nas comunidades rurais, as quais, para eles, cumprem a dupla função de local de produção e de espaço de vida. Apoiá-los pode contribuir para gerar ocupação, renda e reduzir as desigualdades socioeconômicas que caracterizam a população residente nas diferentes regiões de nosso estado. Para tanto, é preciso avançar além das ações emergenciais de combate à seca, que são importantes no momento crítico de escassez de água que enfrentamos, mas são insuficientes no sentido de equacionar os bloqueios históricos que limitam as chances de progresso social e de promoção da cidadania dos habitantes do meio rural.
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