SustentHabilidade

Jean-Paul Prates é advogado e economista. Especialista em energias e recursos naturais. Foi secretário estadual de energia do RN (2007-2010). Senador-Suplente de Fátima Bezerra (RN). Presidente do CERNE e do SEERN. Trabalha e investe em projetos relacionados a energia renovável, petróleo/gás, infra-estrutura e sustentabilidade. LinkedIn: jpprates.

A ribalta dos delatores, o mar de lama virtual e o choque de realidade no PT

16 de setembro de 2015

*Artigo originalmente publicado em 07 de março de 2015.
Em tempos de mais listas e CPIs, enquanto o País tenta trabalhar e superar uma crise, agora real, é interessante tentar fazer um retrospecto objetivo das coisas. Este é o meu, a partir de fatos que conheci pessoalmente ou através de fontes para mim confiáveis.
Acho interessante quando leio e ouço pessoas falarem como se o Brasil estivesse no fundo do poço por causa da divulgação das investigações sobre corrupção em curso. Seria o fundo do poço da ética e da moralidade? Ao contrário: lembram-se de Pedro Collor e do “Brasil passado a limpo”?  De Getúlio e o “mar de lama”?
Há as eras dos engavetadores e as eras dos delatores. A depender de a quem servem, elas se sucedem, sempre obedecendo a sistemas complexos, superiores ao governo, à justiça e mesmo à imprensa e a opinião pública. 
São ciclos comuns à nossa história que, infelizmente, não contam com uma vigilância constante da sociedade, como muitos ingenuamente pensam. São, isto sim, resultado de denúncias pontuais, movidas por interesses específicos: tiros cruzados entre adversários políticos e principalmente econômicos.
Só que, no mundo complexo dos diversos sistemas que constantemente colidem entre si, alguns tiros acabam virando batalhas e guerras. E as guerras, por mais poderosos e competentes que possam parecer seus generais, por vezes podem sair de controle. São confrontos aparentemente físicos e midiáticos, mas também envolvem muita estratégia e poder.
Este grupo de empresas que agora se intitula de “Clube das Empreiteiras“, por exemplo, vinham corrompendo governos há décadas, sangrando a Petrobras e as obras e serviços públicos do País. Certamente sucederam outros grupos econômicos do passado brasileiro como os barões do café, os monocultores de cana, os exploradores do ouro mineiro, o Quinto português, os mercadores de escravos, os banqueiros e agiotas, e outros tantos. Estes ciclos e suas lideranças são que realmente mandaram e mandam no Brasil.
À exceção de uns poucos a quem se concede um naco da ribalta para compor a cena democrática e popular, aqueles que realmente decidem são meros prepostos de grupos de interesse cada vez mais interligados. 
Por isso, é absolutamente estúpida a situação de se ver o Brasil partido entre facções que mutuamente se acusam e competem pelo título de mais ou menos corruptos. Não são tais fações as origens disso: o que nos concede a ironia de ver os senadores Collor e Lindberg numa mesma lista hoje é o fato de que o sistema é tão corrupto e petulante que engole quem quer que seja e os transforma em iguais.
Este sistema é movido a dinheiro, seja na justiça, no parlamento, nos governos ou na mídia. Quem tem dinheiro dá as cartas. Faz o que quer e depois acusa e agride, ou protege e esconde. Ler as reportagens e acompanhar os vazamentos seletivos, as listas misteriosas, as condenações sumárias e até as regenerações auto-proclamadas é patético, deplorável, digno de pena – do Brasil. O dinheiro que moveu as falcatruas é o mesmo que promove as defesas. Quem roubou mais, em tese tem melhores condições de se defender – e até de sair “limpinho”. Assim como quem foi habilidoso ou tem cartas na manga contra outros que já estão no cadafalso e só lhes acenam à distância.
Mas há um fato novo que traz o PT ao centro manufaturado das discussões atuais: enquanto o roubo e os direcionamentos ficavam só entre meia dúzia de figurões da ocasião, tudo transparecia estável, maravilhoso e controlado. E sempre que a imprensa ou a polícia começava a denunciar ou investigar algo, era logo abafada e um bofe expiatório escolhido para ser sacrificado e salvar os demais.
A chegada do PT e das esquerdas brasileiras ao posto máximo do País pela primeira vez na história ameaçava revirar tudo. E, pior, revelar tudo. Havia que procurar logo os mais pragmáticos do novo grupo e fazer-lhes chegar a oportunidade de negociar e compor. O fato é que os que chegaram ao poder em 2003 entraram achando que iam mandar (e mudar) algumas coisas – mesmo que não todas. Ao mesmo tempo, pragmaticamente jogando com a regra em vigor, queriam garantir recursos para eleições subsequentes. Mas foram sendo absorvidos por esquemas bem montados e há muito consolidados – que não queriam ser extintos.
O que eram Marcos Valerio, Barusco, Youssef, Baiano, Cerveró, Luz e outros senão operadores de esquemas que seus patrões levaram a conhecer pelos novos governantes e seus partidos de apoio para “expandir e aprimorar”? Os neófitos do PT, agora no poder, é que eram a conquistar, a encantar. Toda dedicação a isso, portanto. Principalmente ao chamado “PMDB do PT”, lembram-se desta expressão? Os chamados “operadores” foram então apresentados a eles, e já teriam tudo azeitado pra trabalhar. Todos já operavam há anos. O argumento era: “deixa isso tudo aí que vocês vão assegurar 16 anos de governo e ainda podem tirar unzinho, cada um”. Encantador, não?
Alguns trapalhões neo-governistas de então (petistas e não), embevecidos com o cenário de possibilidades e diante do aval dos “experientes partidos aliados”, se lambuzaram com a festança turbinada pela popularidade e crescimento nacional, e partiram para ações ainda mais ousadas e menos discretas, esquecendo-se de que estavam utilizando mecanismos e pessoas ligadas a seus próprios inimigos.
E porque, agora, a casa geral caiu? Configurado o cenário de possibilidade concreta de vitória da oposição ao final de 2014, os operadores e intermediários mais amedrontados, começaram a se entregar e entregar seletivamente gente do governo que eles achavam que ia cair, numa tentativa de agradar e provavelmente amenizar punições do governo que achavam que ia ganhar, e que tinha  a investigação como promessa de campanha. Paulo Roberto Costa é o símbolo desta tentativa de arrependimento eficaz de consciência, com sua delação iniciada em plena reta final eleitoral, que obrigou Alberto Youssef a também sair das suas sombras decenais.
A toda coisa encruou e virou pasta quando Dilma surpreendentemente ganhou. Aí a seletividade dos vazamentos passa a ganhar tons alternados de chantagem, intimidação e vingança – e ainda virou um prato cheio para os tais “aliados experientes” negociarem alforria ou inocência com base na odiosa “governabilidade”.
Chegamos então à situação atual, em que temos três grupos distintos jogando uma espécie de “pega-varetas ao contrario”: cada um espeta um pouco o outro pra ver quem estoura primeiro. A oposição, inconformada em ter que esperar mais quatro anos, tentando atrozmente recriar um clima golpista estilo 1954 ou 1964); o governo tentando ao mesmo tempo governar, mitigar os efeitos morais, econômicos e institucionais desta quizumba toda e proteger a imagem de Dilma e do partido; e o PMDB, como sempre se vendendo como “partido da governabilidade”, tentando se aproveitar desta situação toda pra faturar e pular oportunamente para o barco de quem estiver em melhores condições para vencer em 2018.
Brasil acabou? Não, e ciclos como estes voltarão a ocorrer no futuro. A Petrobras continua lá com seu mesmo corpo técnico, suas resevas, refinarias, dutos e terminais. O Brasil cresceu, consolidou-se como economia global e regional, beneficiou e promoveu as classes baixas, outrora massas de manobra, a consumidores exigentes e cidadãos conscientes que tentam viver o Brasil real, e não o que se lhes vende. Mas o Brasil vendido, que sempre esteve e estará para alugar, terá novos inquilinos.
E o PT? O PT será por demais ingênuo e passivo – e ameaçará de vez todas as inegáveis conquistas que representou para o País – se se deixar sair como único imoral da história. Ao contrário disso, tem que mostrar que para cada um acusado e investigado, existem centenas de outros filiados e admiradores que trabalham honestamente – no governo, na indústria, no comércio, nos serviços (regulados ou não) – e que reconhecem ter contribuído e ao mesmo tempo ter se beneficiado da enorme melhora do Brasil.
E, principalmente, o PT tem que cortar na própria carne e na dos aliados oportunistas que hoje tiram o corpo fora, auto-declaram inocência e não o defendem. Para isso, precisa renovar os quadros a tempo, rapidamente, ajudar Dilma a reverter o quadro atual e mostrar que pode voltar a contar com a credibilidade de quem simpatiza mais com a esquerda do que com a direita no Brasil.

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