LIBRA: UM LEILÃO ÚNICO
22 de outubro de 2013
By Jean-Paul Prates
O leilão de Libra não foi um leilão comum. Trata-se de um leilão único, especial. Normalmente, são leiloadas áreas exploratórias, ou seja, áreas onde ainda se fará prospecção sísmica e poços exploratórios para realizar descobertas e, depois, avaliá-las como comerciais ou não.
No caso de Libra, o que se está leiloando é um prospecto já contendo descoberta parcialmente avaliada como sendo de enorme magnitude. Ou seja, o leilão de Libra, além de ser o primeiro do novo regime regulatório de partilha de produção, é também um leilão único, por disponibilizar uma reserva ‘in situ’, e não uma área exploratória apenas.
HISTÓRICO
O prospecto de Libra foi descoberto em 2010 pelo poço 2-ANP-0002A-RJS, no polígono do pré-sal da Bacia de Santos. Ocorre que este poço foi perfurado em área não concedida (ou seja, sob a jurisdição direta da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que contratou serviços da Petrobras para encontrar reservas que poderiam ser usadas em troca de ações da companhia na chamada cessão onerosa. Com isso, se tornou um verdadeiro anacoluto regulatório, não sujeito nem ao regime de concessões nem ao novo, de partilha. Tratava-se do prospecto petrolífero mais promissor da história do Brasil sem enquadramento legal ou regulatório. Por isso, o governo brasileiro precisava tirá-lo do limbo e regularizar sua situação, inclusive quanto ao alto investimento necessário para desenvolvê-lo.
Além disso, por lei, trata-se de um projeto que já vem com o operador definido (empresa-líder que executa as operações): a Petrobras. Isso foi o que mais atraiu o interesse por parte de empresas estatais que são extensões do governo de países que precisam adquirir reservas mundo afora: China, Japão, India, Malasia, por exemplo. Para elas, Libra é um projeto perfeito para se participar: grande reserva e com um operador de primeira linha obrigado por lei a participar e a operar.
O LEILÃO
Durante a fase de habilitação, estranhou-se a ausência de algumas majors tradicionais. Provavelmente algumas empresas que respondem apenas ao mercado de ações acharam difícil concorrer diretamente contra governos de países importadores. Outras, como a Shell e a Total, por exemplo, consideraram interessante habilitar-se para, eventualmente, entrar em parceria com algumas delas. Foi o que acabou acontecendo.
O único consórcio a apresentar proposta foi formado pelas empresas Shell, Total, CNPC, CNOOC e Petrobras. Dos 70% arrematados pelo consórcio, 20% são da Shell e 20% da Total. A CNPC e a CNOOC têm, cada uma, 10%, assim como a Petrobras, que já tinha garantidos 30%.
À época de sua descoberta, uma consultoria havia feito uma estimativa de até 15 bilhões de barris recuperáveis. O volume foi posteriormente reduzido significativamente pela ANP, diante de novos dados. Com a perfuração do poço e dados de sísmica 3D, o volume foi novamente elevado, para entre 8 bilhões a 12 bilhões de barris. O maior campo produtor no Brasil, de Marlim, tem 2 bilhões de barris de petróleo recuperáveis. A ANP estima que, em seu pico de produção, sejam extraídos diariamente 1,4 milhão de barris de óleo, cerca de dois terços do total da produção atual de todos os campos do país (2 milhões de barris por dia).
Pelo regime de partilha, o consórcio tem o direito a recuperar os custos incorridos para colocar o campo em produção e reparte com a União (representada pela estatal nova PPSA) o chamado “óleo de lucro”. Somando a participação da Petrobras com a da PPSA no óleo de lucro, pode-se afirmar que o Brasil está ficando com 81,65% da partilha do lucro do maior campo de petróleo do país. E ainda tem os royalties, estimados em 270 bilhões de reais ao longo dos 35 anos de sua produção. Num cálculo superficial, somando-se os royalties e o bônus de assinatura pago à vista com a estimativa de valor para o óleo que caberá ao Brasil, chega-se a 1 trilhão de reais de resultado líquido.
VENCEDORES
Sobre os vencedores, a surpresa mesmo foi a francesa Total. A Shell já explora no Brasil em terra e no mar. Em oito campos a Shell é operadora e em dois a Petrobras é operadora e ela parceira. A Shell já produz inclusive no pré-sal. A Shell opera em BM-S-54 (pré-sal), Bijupirá, Salema, Parque das Conchas (BC-10), além dos cinco blocos na Bacia de São Francisco (onshore). Na 11ª rodada foi a 1ª em número de blocos adquiridos. A Total é um conglomerado francês resultante da fusão das empresas Elf e Total (2000) com a belga Petrofina (1999). Seu capital acionário é formado, entre outros, por fundos soberanos da China, Emirados Árabes e Qatar. Também é líder global em liquefação de gás para envio a mercados distantes. A explicação para a sua participação talvez esteja no fato de sua produção estar em queda absoluta nos últimos anos. Com suas reservas concentradas em regiões em declínio de produção como a África (principalmente ex-colônias), Mar do Norte, Rússia, Irã e ex-repúblicas soviéticas, sua produção global caiu em mais de 20% entre 2007 e 2013. Analistas franceses se impressionam também com a explosão das despesas na empresa: en 2011 houve alta de 72% (em um ano), e de quase 250% nos quatro anos precedentes. Por isso, a empresa tem tentado se apresentar em novas regiões produtoras como a Líbia, o Iraque e nas areias betuminosas do Canadá. O Brasil está no radar da Total como região petrolífera emergente.
Alguns esperavam os chineses com participação maior, até majoritária. Eu considero que 20% de Libra é algo de magnitude bem significativa. É um passo inicial bastante importante na nova estratégia chinesa de se fazer presente no petróleo brasileiro. Quem pensa que os chineses ficarão só com isso, engana-se. Este é o ingresso para o grupo nobre de participantes do mercado brasileiro, o clube do pré-sal. Fincando o pé no principal consórcio, a CNOOC e a CNPC alavancarão mais participações em consórcios futuros, tanto no pré-sal quanto em áreas marítimas convencionais (CNOOC) e até em terra (CNPC). Quem viver, verá.
AUSENTES
Sobre as ausentes, a joint venture sino-espanhola RepsolSinopec desistiu de participar momentos antes do leilão, talvez orientada pelo próprio governo chinês a não atrapalhar o outro consórcio, muito mais estruturado e negociado com as duas outras estatais chinesas. As demais empresas habilitadas não tinham condições de apresentar propostas sozinhas (Ecopetrol colombiana, ONGC indiana e Petrogal portuguesa, nem mesmo a Petronas (Malásia) e a japonesa Mitsui). Seria uma surpresa grande vê-las bonificar tão significativa quantia sozinhas.
Como muitas multinacionais de grande porte que sequer se habilitaram, a norueguesa Statoil também decidiu não participar do leilão do Campo de Libra porque o portfólio da empresa já está muito comprometido com ativos em todo mundo. A empresa tem uma atuação importante no Brasil, com fatias em 13 blocos de exploração e produção no país. A companhia opera o campo de Peregrino, na Bacia de Campos, onde tem 60% de participação. Os outros 40% são da chinesa Sinochem.
DESAFIOS
O maior desafio da área do présal brasileiro é a logística, pois seus blocos se situam entre 150 e 300 km distantes da costa (Libra está a 183km, Tupi a 300km). Além disso, a profundidade da perfuração e a espessa camada de sal a vencer, apesar de comprovadamente superáveis, continuam a representar desafios operacionais a cada campanha de perfuração, e durante a produção. O petróleo do présal é/será mais caro que o “convencional”, especialmente se comparado a áreas em terra na península arábica ou mesmo áreas offshore brasileiras já exploradas. Mas quanto a se tornar anti-econômico, já vai uma distância grande: o présal brasileiro só precisa começar a se preocupar se o preço do barril cair abaixo dos 30 dólares. Mesmo com o shale gas americano, sempre será necessário explorá-lo, não apenas para complementar a demanda de outras regiões, como também para suprir a própria demanda brasileira e a petroquímica ainda dependente do petróleo em todo o mundo.
Quanto a mudanças e ajustes para o futuro, o único que vejo como passível de consideração é a abertura de possibilidade de operadores diversos da Petrobras, mesmo assim, com escrutínio de alto nível quanto a capacidade técnica e financeira. Certamente, apesar de não ser descabida para Libra, tal limitação provocará incongruências graves quando, no futuro, tivermos áreas (e não campos) do présal leiloados. Imagine-se a situação de um bloco onde o consórcio vencedor não contenha a Petrobras ou, pior, onde a Petrobras sequer considere válido dar lance e, mesmo assim, ela o tenha que operar à revelia do seu interesse em tal projeto.
COMO FUNCIONA A PARTILHA
Antes mesmo de começar a operar no campo, a empresa vencedora terá que pagar um bônus de assinatura (o equivalente à compra do direito de explorar e produzir no campo) de R$ 15 bilhões. Mas a estimativa da ANP é que, quando começar a produzir, Libra gere R$ 30 bilhões por ano em participações governamentais (isto é, partilha da produção e royalties) para a União, os estados e municípios. A Pré-Sal Petróleo (PPSA) terá 50% do poder de voto no Comitê Operacional, enquanto a Petrobras terá no mínimo 15% dos votos. Desta forma, o governo terá pelo menos 65% do poder de voto na gestão da área do pré-sal, com possibilidade de este percentual crescer caso a Petrobras entre com participação no consórcio acima do mínimo exigido por lei. O consórcio vencedor poderá recuperar mensalmente o custo em óleo (investimentos realizados para explorar e desenvolver a área), respeitando o limite de 50% do valor da produção nos dois primeiros anos de produção e de 30% do valor da produção nos anos seguintes, para cada sistema produtivo do bloco. No entanto, se os gastos não forem recuperados neste período, havendo necessidade, o consórcio poderá ficar com o percentual de 50% do valor da produção até que os respectivos gastos sejam recuperados.
As empresas que participarem do consórcio de Libra poderão dar o destino que quiserem ao petróleo de sua cota na partilha, ficando livres para exportá-lo. No entanto, em situações de emergência que possam colocar em risco o abastecimento nacional de petróleo, bem como de seus derivados, a ANP poderá determinar ao contratado que limite suas exportações.
Como se vê, apesar de ter sido usado como pretexto para todo o tipo de exploração política oportunista, o leilão de Libra não representou qualquer entrega de reservas, e sim a venda de direitos sobre a produção de um campo que terá altos custos, desafios tecnológicos e uma enorme receita governamental resultante.
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Para quem não ouviu no @Jornal96, comentário sobre o Leilão de Libra: nacionalistas de ocasião e cooperação bilionária. https://soundcloud.com/jean-paul-prates/jpprates-coluna-5
Source: SustentHabilidade
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