Saiu na Tribuna do Norte:
Nadjara Martins – Repórter
A estiagem prolongada dos últimos três anos não provocou apenas prejuízos na produção agrícola potiguar. Para além da perda da safra – que em algumas culturas chegou a 90% –, a seca levou ao aumento no endividamento rural. Segundo a Federação da Agricultura do Rio Grande do Norte (Faern), até dezembro do ano passado, os agricultores potiguares possuíam uma dívida de R$ 84 milhões, referente a 27 mil operações de crédito. Desse total, seis mil operações foram renegociadas. Ou seja: a quebra da safra dificulta o retorno do investimento e, consequentemente, a adimplência junto aos bancos. Nesta entrevista, o presidente da Faern, José Álvares Vieira, fala sobre o desempenho da agropecuária em 2014 e da necessidade de redesenhar o modelo de acesso ao crédito no estado. Para Vieira, é preciso investir na capacitação do pequeno agricultor e promover o acompanhamento dos investimentos por meio da assistência técnica.
Como foi o ano de 2014 para a agricultura?
Nós estamos vindo de uma seca prolongada onde tivemos perda na produção de leite (50%), perda do rebanho (40% a 50%), perda na produção de castanha (70%) – de exportadores passamos a ser importadores de castanha – da produção de mel (90%), da fruticultura irrigada (10% a 15%). Esse é o cenário. Além disso tudo, o que são os agravantes? Acesso ao crédito na velocidade e quantidade necessária. O governo discriminou os agricultores do Pronaf dos pequenos e médios agricultores. O Pronaf é dividido por nível (A até E). O pequeno produtor pode estar no Pronaf ou não, depende da quantidade de empregos que ele gerar. Se ele gerar mais de dois empregos deixa a ser pronafiano e se torna pequeno produtor. Isso discrimina os pequenos produtores e não podemos ir nessa linha, pois a seca vem igual para todos. Por outro lado, o crédito de emergência veio facilitado para o agricultor familiar, que não precisou apresentar nenhum projeto, pois o Tesouro era o avalista. Quem não é familiar, como o pequeno ou médio, quando ia acessar uma linha de crédito precisava de ter avalista de crédito, ter todos os licenciamentos ambientais, fazer projeto, pois o risco não é do Tesouro, é do banco. Quando é para o pequeno e médio ter acesso, tudo é difícil.
Qual a proporção entre agricultores familiares, pequenos e médios?
Somente no Garantia Safra temos em torno de 70 mil agricultores familiares. No total, temos 105 mil agricultores familiares e 38 mil entre pequeno e médio. Para você ter uma ideia da burocracia, para um agricultor construir uma cerca precisa ter um licenciamento ambiental. O estado é mais rigoroso.
As linhas que são oferecidas ainda não conseguem impulsionar o desenvolvimento no campo?
Às vezes o produtor que não tem como acessar esse crédito. Por causa da burocracia, por causa do endividamento rural, que é um problema seríssimo.
Esse endividamento é causado pela seca?
Sim, o problema é frustração na safra. Essas dívidas são, muitas vezes, impagáveis por causa do acúmulo. Tem produtor rural que tirou recursos para o plantio, mas a dívida dele é maior do que a produção dele.
Mas o Governo Federal abriu para o refinanciamento de dívidas…
É a lei 12.844. Dívidas de até R$ 100 mil, para quem está no Semiárido, podem ter um abate de até 80%. Fora do Semiárido é de 60%. Mas é R$ 100 mil no final, não na origem do financiamento. Mas, e quem tirou mais de R$ 100 mil, não entra? Então, era para existir um abatimento gradativo, progressivo. A lei também discrimina pequenos e médios agricultores.
Temos um endividamento? De quanto?
Infelizmente sim. Hoje, no estado, temos 27.645 operações de crédito. A dívida é em torno de R$ 84 milhões, considerando de pequeno a grande produtor. Em 2013, foram negociadas 6.107 operações de crédito (considerando apenas operações com o Banco do Nordeste)
Por que há dificuldade de renegociar a dívida?
É simples: se eu não tenho produção como é que eu vou pagar? O produtor rural não paga não é porque não quer, mas porque não tem como pagar. Como vou renegociar uma dívida no banco – na negociação, você precisa dar algum dinheiro – se eu não tenho como pagar. E tem um agravante: o produtor não tem um seguro de renda, tem só de crédito. Seguro de crédito é quando eu vou ao banco, tiro um dinheiro para plantar milho. Plantei o milho, não deu certo, o seguro cobre. Mas um seguro para manter minha renda, minha terra, meus trabalhadores não existe. Nossa luta é para que o governo crie esse tipo de seguro. Não é só resolver o problema do banco, senão você quebra o produtor. E foi isso o que aconteceu. Muitos acumularam dívida porque não tinham produção, o problema foi esticando e, hoje, muitos estão sendo executados por não terem condições de pagar. Nem a propriedade vale a dívida.
Qual a solução para diminuir esse endividamento?
Além do seguro de renda, a solução é ter programas e projetos estruturantes de combate a seca. Eu não posso ficar todos os anos jogando na loteria. Nós temos, todos os anos, a incerteza de três meses de chuva e de três meses certos que não vai chover. O produtor que está no semiário não pode ficar dependendo de chuva. Nós temos que trabalhar a irrigação como projeto estruturante. Sistemas de irrigação para pequeno e médio, assistência técnica é fundamental – não adianta ter água sem assistência técnica; na área rural nós não temos educação de qualidade (80% das escolas nem tem biblioteca), saúde, segurança… É um contexto de várias dificuldades que o setor vem passando e ele não tem como sobreviver. Quem vai ficar na área rural?
Quais seriam esses projetos?
É levar canais de irrigação, perfuração de poços, adutoras. A interligação das bacias hidrográficas para quando a água do São Francisco chegar, o que não estamos fazendo. Tem que fazer com que essas águas entrem em circulação.
Não seria uma alternativa para o pequeno agricultor investir em uma obra pequena de recursos hídricos?
Existe uma palavrinha chamada qualidade do crédito. Eu tiro R$ 100 mil para tirar 10 vacas. O banco não perguntava se eu tinha dinheiro para alimentar as vacas. O banco tem responsabilidade nisso também, precisa se preocupar com isso. Você precisa, hoje, saber se o produtor foi qualificado antes de conceder o financiamento. Isso é uma questão de assistência técnica, concordo, mas o banco também é responsável. Se eu empresto um recurso para uma pessoa, é preciso saber essas coisas. No Semiárido, precisamos fazer financiamento para plantio de milho é jogar dinheiro no ralo.Você tem que estimular a caprino-ovinocultura. Eu vou plantar cana no sertão?
Mas é preciso convencer o produtor…
Muitas vezes o nosso produtor não é qualificado, não tem instrução. É complicado. O que eu quero dizer é que nós precisamos de ter bons projetos e programas continuados. Na hora que eu financiei os R$ 100 mil para comprar 10 vacas, entra a assistência técnica do governo. Continuada, acompanhando, com planejamento. Mostrando para o produtor. Hoje, não existe assistência técnica. A Emater foi completamente desestruturada. Não precisa ser uma visita por mês. Tem que ter continuidade e qualidade, o acompanhamento do projeto.
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