O paradoxo Somali em pleno Rio Grande do Norte
27 de abril de 2014
Primeiro ele deixa claro que o tal “Pró-Sertão“, que o Governo do Estado anunciou como uma idealização própria, nada mais é do que um processo de terceirização dos direitos trabalhistas e da economia de escala para unidades fabris capilarizadas de pequeno porte (chamadas “façcões”).
Flavio Rocha reconhece: “É mais ou menos o que eu vi na Galícia, noroeste da Espanha (…)”. Como dissemos em post anterior, a “idéia” é da Guararapes, e não do governo. Aliás, nem da Guararapes. Ninguém idealizou isso aqui no RN.
Simplesmente é um processo globalizado de retirar enormes populações de trabalhadores de fábricas sustentadas pelas empresas (luz, instalações, máquinas, refeitórios, responsabilidade por saúde e segurança, etc) e transferir estes encargos para pequenos “empresários” de cliente único (contratos exclusivos), apoiando seu financiamento, treinamento e operação à distância.
Ou seja, vender isso como um programa de governo, além de ser MENTIRA, é um dos maiores #EmbustesRN reconhecidos. Ao invés disso, o certo seria ter recebido a sugestão dos empresários têxteis e trazido para o debate real com as comunidades e cidadãos em geral, expondo todas as suas vantagens mas também, honestamente, as responsabilidades assumidas quanto aos trabalhadores e quanto às empresas que as contratarão.
Claro que não há como estar contra o incremento local da atividade econômica e a fragmentação e interiorização do setor têxtil, e claro que há um lado extremamente positivo na criação de mini e micro empresas no interior. Ninguém está aqui para negar isso, apesar deste ser logo um dos principais gritos dos que fazem coisas erradas por aqui: quem é contra é posto como “contrário aos interesses do Estado e do povo”…
Mas, por outro lado, a realidade é que estamos diante de um quase inevitável processo de desmobilização de grandes indústrias (que já são poucas, no Estado). Talvez um programa que mesclasse as duas iniciativas (manter algumas unidades fabris de grande escala e, ao mesmo tempo, terceirizar partes ou etapas do trabalho para as facções) fosse uma gestão esperada de um governo com inteligência própria. Mas este nosso, infelizmente, parece não ter isso. Engoliu o projeto do jeito que veio, não discutiu nada; não pensou, simplesmente lançou – mais um dos célebres #EmbustesRN (que vimos compilando por aqui), só para dar manchete de jornal a políticos.
Na mesma entrevista, Flavio Rocha deixa claro o verdadeiro motivo pelo qual o Grupo Guararapes vem reduzindo substancialmente os seus investimentos industriais no Rio Grande do Norte. Aliás, não só ele como também o Grupo Coteminas, que recentemente também anunciou o fechamento de suas indústrias em São Gonçalo do Amarante e isso foi vendido pelo Governo como uma noticia positiva (sic!), enfeitada com a transformação de um terreno público em condomínio privado.
O empresário é muito sutil ao inferir que o Grupo Guararapes sai do RN para o Ceará porque aqui era achacado pelos burocratas e políticos! Vejam se não é isso que ele diz com este eufemismo gentil:
Tribuna do Norte – “Por que a Guararapes enxugou a fábrica do RN, em 2012, e resolveu investir no Ceará? Vocês recebiam mais incentivos fiscais lá?”
Flavio Rocha (Guararapes) – “A fábrica de Natal perdeu competitividade pelos excessos normativos. O incentivo fiscal do Ceará é praticamente o mesmo do RN. O que tínhamos no RN era um certo assédio burocrático.”
“Assédio burocrático“? Isso quer dizer ACHAQUE regular mesmo! Só não entende quem não quer.
E esse é um dos mais graves problemas do RN para atrair investidores.
TODOS sabem, nos círculos empresariais de SP e do Rio que, no RN, quando o investidor chega e começa a empreender, é IMEDIATAMENTE abordado por estes tubarões a que me referi no artigo de maio. Antes mesmo de iniciar qualquer construção ou contratação de empregos no Estado. Matam a galinha antes de ela sequer por os ovos! E não sou eu quem estou dizendo! É o potiguar mais empreendedor do RN, fora dele.
Mas o pior é, no dia seguinte, ver no mesmo jornal, uma entrevista do advogado da Adidasdizendo que veio ao Rio Grande do Norte pedir proteção à marca porque o RN é local de fabricação pirata!
Ou seja, completa-se o que eu chamo de o Paradoxo Somali (referência ao país localizado no Chifre da África que vive da pirataria cometida contra os navios que passam em frente à sua costa): achaca-se o mega-empreendedor regular ao invés de apoiá-lo, mas deixa-se que os piratas prosperem com suas atividades criminosas livremente admitidas.
Em suma, um modelo de desenvolvimento econômico exemplar que deverá ser muito interessante para o nosso futuro.
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